Canal do Panamá 100 anos: Um atalho histórico

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Em agosto de 2014, uma das mais notáveis obras de engenharia da história completou 100 anos de existência. O Canal do Panamá uniu os oceanos Atlântico e Pacífico por uma rota que cruza o país latino e revolucionou o comércio marítimo mundial.

Imagine que você é um comerciante marítimo no final do século 19 e precisa transportar sua carga do porto de Nova Iorque, na costa leste dos Estados Unidos, até São Francisco, na costa oeste. Naquele tempo, a única rota acessível era descer até a América do Sul, contornar o Cabo Horn (com todas as dificuldades marítimas de realizar tal atividade) e subir novamente todo o continente. Esse trajeto tem uma distância de aproximadamente 22.500 quilômetros e incontáveis dias.

Agora, pense nesse mesmo objetivo mas com uma rota diferente: descer até a América Central, atravessar o continente horizontalmente e subir até a costa oeste, totalizando 9.500 quilômetros de viagem. Isso representou uma economia absurda de tempo e, consequentemente, dinheiro.

Esse atalho histórico só foi realizado graças à construção do Canal de Panamá, que completou 100 anos de sua inauguração em agosto de 2014.

A ideia de construir um canal que atravessa o Panamá surgiu no século 16, especificamente em 1534, quando o rei Charles I da Espanha pediu o levantamento de um projeto de rota entre os oceanos Atlântico e Pacífico, ao longo do rio Chagres. Após concluir esses estudos, o então governador da província afirmou que seria impossível para qualquer pessoa realizar tal façanha.

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Mas nada saiu do papel, até 1880, quando os franceses fizeram um acordo com a Colômbia (a quem o território pertencia na época) e, liderados por Ferdinand de Lesseps (responsável pela construção do Canal de Suez, décadas antes), conseguiram permissão para o início das obras de abertura do canal. No entanto, problemas financeiros para continuar a construção e doenças tropicais que atingiram milhares de trabalhadores, causando inúmeras mortes, fizeram com que a França abdicasse dos trabalhos depois de oito anos.

O então presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, estava convencido de que o país poderia terminar o projeto, além de reconhecer que o controle da passagem do Atlântico ao Pacífico seria importante militar e economicamente.

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Assim, Roosevelt iniciou as negociações com a Colômbia e, em 1903, o Tratado Hay-Herran foi assinado pelos dois países. Mas o Senado colombiano não o ratificou, pois não concordava em ceder o controle do canal aos norte-americanos por um período de 100 anos.

Para contornar essa situação, Roosevelt deu a entender aos panamenhos que, se houvesse uma busca pela independência do país, a sua marinha apoiaria a causa. E assim o fez.

Em seguida, o Panamá proclamou sua independência em novembro daquele ano e permitiram aos Estados Unidos o controle da zona do Canal do Panamá, como dizia o tratado, em fevereito de 1904. Com as obras reiniciadas, elas foram concluídas dez anos depois.

A primeira travessia antes da inauguração oficial aconteceu em 26 de setembro de 2013, quando o rebocador Gatún testou sistema de eclusas (espécie de elevadores aquáticos que enchem ou esvaziam, transportando a embarcação para outro nível) e cruzou a entrada do Canal pelo Atlântico, verificando o funcionamento da instalação. A operação levou 1 hora e 51 minutos. Quase 11 meses depois, em 15 de agosto de 2014, o barco foi escolhido para acompanhar o navio a vapor SS Ancon, na viagem inaugural do Canal do Panamá.

Em 1977, após um longo período de manifestação popular no Panamá, os termos do tratado foram revistos e os Estados Unidos passou gradualmente o controle do canal ao Panama até 1999, quando o país assumiu o comando total da região.

 

A travessia

Antes da embarcação iniciar a travessia, o prático (piloto habilitado a navegar no canal, por conhecer a rota e os locais de passagem) sobe a bordo e assume o comando da operação. O navio é conectado ao rebocador que realiza as operações de manobra nas águas do canal.

A travessia das eclusas é feita com a ajuda das chamadas “mulas”, locomotivas que se movem por trilhos paralelos às eclusas e se conectam aos navios por cabos, cuja regulagem mantém a estabilidade do barco e evita choques nas paredes laterais das câmaras. O número de mulas utilizado por travessia varia de quatro a oito, dependendo do tamanho do navio.

Os 78 quilômetros de extensão são percorridos entre 10 e 20 horas, dependendo do tamanho da embarcação.

 

Estruturas do Canal

Eclusas Gatún:

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A entrada atlântica do canal se localiza na baía de Limón. Após passarem pelas grandes rompeolas (barreiras que impedem o avanço da maré alta e facilitam a navegação), as embarcações percorrem 10,5 quilômetros até a primeira comporta. Uma sequência de três eclusas eleva os barcos até a superfície do lago Gatún, 26 metros acima do nível do mar.

 

Lago Gatún:

Até 1935, Gatún foi o maior lago artificial do mundo. Possui 418 quilômetros quadrados e foi alagado em 1910 com a construção da barragem, que controla o curso das águas do rio Chagres.

 

Eclusa Pedro Miguel:

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Está situada longe da costa por razões militares: pretendia-se evitar que o canal fosse inutilizado em caso de um ataque às bases americanas. Ao passar por Pedro Miguel, os barcos descem a 10 metros de altitude e navegam pelo lago Miraflores até o próximo jogo de eclusas.

 

Eclusas Miraflores:

Ao contrário da entrada pelo Atlântico, o lado do Pacífico não possui rompeolas. Por isso, as eclusas Miraflores têm comportas maiores para sustentar o impacto e a alteração da maré, que pode variar em até quatro metros.

 

A ampliação do Canal

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Necessitando de uma ampliação em sua capacidade, em 2006, um referendo popular aprovou projeto para melhorias no Canal do Panamá, em que se iniciou a construção de uma terceira via com novo conjunto de eclusas, duplicando a capacidade e permitindo tráfego de maior volume de carga. As obras também envolvem o alargamento e aprofundamento dos canais de navegação existentes no lago Gatún. A previsão de término dos trabalhos é para o início de 2016, com gastos de US$ 5,25 bilhões.

O novo caminho levará a embarcação do nível do mar até o lago Gatún em apenas uma passagem, em oposição à situação atual, onde há uma passagem em duas etapas, por Miraflores e Pedro Miguel.

As novas comportas terão 427 metros de comprimento, 55 metros de largura e 18,3 metros de profundidade, podendo receber navios de 366 metros de comprimento, 49 metros de largura e 15 metros de profundidade.

 

Linha do Tempo

1881 – Após assinar um acordo com a Colômbia (a quem o Panamá pertencia), a França inicia as obras de construção do canal sob o comando de Ferdinand de Lesseps;

1889 – França abandona o projeto depois de milhares de mortes de trabalhadores por doenças tropicais, crise financeira e pouco avanço nas obras;

1903 – Com apoio dos EUA, Panamá consegue a independência da Colômbia e assina acordo com os norteamericanos, dando-lhes controle absoluto sobre o canal;

1904 – As obras são reiniciadas;

1914 – Canal do Panamá é inaugurado;

1977 – EUA assinam acordo que transfere gradualmente o controle do canal para o governo panamenho;

1999 – A partir de dezembro, o Canal do Panamá é 100% controlado pelo governo local;

2006 – Referendo popular aprova projeto para ampliação do canal;

 

Curiosidades do Canal do Panamá

Desde o início da construção do canal, muitas curiosidades ficaram marcada na história centenária. Eis algumas bem interessantes:

– Em 1887, o futuro conhecido pintor francês Paul Gauguin passou cinco semanas no Panamá, onde trabalhou como operário na construção do canal e quase morreu ao contrair disenteria e malária. Ele se recuperou e seguiu para a Martinica. Teve um destino melhor que as milhares de pessoas que morreram na construção da via;

– Os Estados Unidos utilizou na construção uma força de trabalho de 56 mil pessoas, sendo quase 30 mil das Antilhas. Outras dezenas de milhares teriam trabalhado na tentativa dos franceses;
– Durante a construção, mais de 27 mil trabalhadores morreram, principalmente de malária e febre amarela, e em acidentes (cerca de 22 mil mortes no projeto francês e mais de 5 mil nas obras dos Estados Unidos);

– O volume de terra escavado foi o triplo do registrado no Canal de Suez. O material retirado na construção equivale a 95 milhões de metros cúbicos, suficiente para construir uma réplica da Muralha da China de San Francisco até Nova York;

– O maior pedágio para atravessar o canal custou US$ 317.142 e foi pago pelo MSC Fabienne em 2008; o menor, de US$ 0,36 centavos, foi pago por Richard Halliburton por atravessar o canal a nado em 1928;

– Um barco que viaja de Nova York a San Francisco economiza cerca de 20.300 quilômetros utilizando o Canal do Panamá, ao invés de contornar o Cabo Horn. Do porto equatoriano de Guayaquil a Nova York, a economia chega a 7.540 km;

– A maior carga foi transportada pelo navio Arco Texas em 1981, com 65.229 toneladas de petróleo;

– O tempo médio que uma embarcação leva para cruzar o canal é de 10 horas. A passagem mais rápida foi feita pelo Hydrofoil Pegasus da Marinha americana, em 2 horas e 41 minutos;

– Em 100 anos de operação, mais de um milhão de barcos atravessaram o canal.

 

O concorrente: Canal Interocenânico da Nicarágua 

A prosperidade econômica gerada com o Canal do Panamá despertou o interesse de outros países da América Central de possuírem seus próprios canais que ligam os oceanos Atlântico e Pacífico. Há projetos para criação de hidrovias na Guatemala, Honduras e Nicarágua.

Esse último, ao longo da história no século 19, também tinha a preferência da França e Estados Unidos para receber uma travessia interoceânica, devido a sua igual posição estratégica. Na época, foram realizadas expedições que levantaram detalhes de terreno e viabilidade da construção do canal, mas não foi levado adiante.

Um século e meio depois, parece que a obra existirá. E, além de rivalizar com o grande Canal do Panamá, o Canal Interoceânico da Nicarágua estará nas mãos de uma empresa chinesa por até 100 anos.

A Hong Kong Nicaragua Canal Development Investment Company (HKND) firmou um acordo com o governo da Nicarágua, em 2013, e investirá US$ 40 bilhões na construção do canal. No entanto, alguns detalhes ainda travam o início das obras, principalmente pelo lado ambiental. O trajeto de 278 quilômetros inclui a travessia pelo Lago Nicarágua (principal fonte de água potável do país), que será muito afetado com a construção, correndo riscos de contaminação, além do desmatamento de milhares de hectares de floresta.

A obra é tão ou mais faraônica que o canal vizinho. O Canal da Nicarágua encurtará em 800 quilômetros uma viagem de Nova Iorque a Los Angeles e terá espaço para embarcações maiores. Ele terá três vezes o tamanho do Canal do Panamá e pretende-se terminar os trabalhos em até cinco anos. E, de acordo com a HKND, em 2030, o valor combinado de mercadorias que atravessarão os dois canais superará US$ 1,4 trilhão.

 

Por Leandro Portes

Fotos Cortesia da Autoridade do Canal do Panamá (ACP)

 

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