Engenheiro brasileiro denuncia violação de patente de ‘barcos voadores’

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O AC75 com o qual o Emirates Team New Zealand conquistou a America's Cup e o engenheiro Manoel Chaves Montagem sobre Arquivo Pessoal/Getty Images

No mês passado, chegou ao fim, em Auckland, na Nova Zelândia, a 36ª edição da America’s Cup, tradicional competição de iatismo com 170 anos de história, com vitória da equipe da casa, a bicampeã Emirates Team New Zealand (ETNZ) sobre a desafiante Luna Rossa Prada, da Itália. O evento consagrou o modelo AC75, um veleiro monocasco que, literalmente, voa — conforme detalhou reportagem em VEJA desta semana. Encerrada a disputa esportiva em águas neozelandesas, uma batalha judicial envolvendo um brasileiro e a equipe vencedora se aproxima. O engenheiro naval Manoel Chaves alega que os hidrofólios utilizados na America’s Cup são uma criação patenteada sua e vai à Justiça em busca do reconhecimento.

Formado na Escola Politécnica da USP, Chaves é dono da MCP Yachts, construtora de iates de alumínio com sede no Guarujá. Ele diz ter provas de que foi o criador do sistema de hidrofólios pivotados, como são chamadas e falta de colaboração da suposta violadora de seus direitos, a Emirates Team New Zealand, buscará uma compensação nos tribunais.

“A forma arrogante com a qual a equipe da Nova Zelândia nos tratou foi o que levou a este conflito. Não registrei essa patente por questões financeiras, mas porque amo o iatismo e queria contribuir com ele”, conta o construtor de barcos de 66 anos, com experiência em competições de desde a juventude. “Diante deste comportamento da ETNZ, vamos em busca do reconhecimento da propriedade intelectual e do ressarcimento pelo uso indevido do dispositivo”, revela Chaves.

Eis a cronologia dos fatos: Manoel criou um projeto de hidrofólios pivotados e o patenteou no Brasil (com extensão internacional) em 18 de novembro de 2015, sob o nome de Sailing Booster System (SBS). Os primeiros testes foram realizados em janeiro de 2016, em um antigo veleiro de Chaves, o Labareda, modelo Atoll 23, construído em 1978. A quilha original foi cortada, permitindo a colocação dos SBS nas laterais. Já patenteado e devidamente aprovado em testes, o sistema foi apresentado ao público em um dos mais respeitados eventos do mercado náutico, o USA Sailboat Show, em Annapolis, nos Estados Unidos, em outubro de 2016. Na mesma época, cresciam as visualizações de um vídeo sobre o projeto no site da MCP Yachts.

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Já em 2017, a Emirates Team New Zealand, na condição de vencedora da última edição da America’s Cup, nas Bermudas, fez valer sua prerrogativa de eleger qual tipo de barco deveria ser usado na competição seguinte. Retomando a tradição do evento quase bicentenário, optou pela volta de um modelo monocasco no lugar dos catamarãs, veleiros de casco duplo. Meses depois, apresentou uma novidade high tech: a inclusão de duas asas laterais pivotantes, em forma de T, capazes de erguer a embarcação e, assim, aumentar sua velocidade a até 90km/h (cerca de 5 vezes mais que um veleiro comum). Todas as equipes desa antes deveriam criar seus próprios modelos semelhantes. Ao ver o projeto, Chaves não teve dúvidas de que tratava-se de uma cópia, evidentemente mais sofisticada, de sua ideia.

“Logo vimos que havia um conflito grave. Tenho certeza de que os projetistas do AC75 passaram pelo nosso stand em Annapolis e assistiram à nossa apresentação no site. Rastreando as visualizações do vídeo, notamos um aumento incomum dos registros da Nova Zelândia, dos EUA e da Europa”, afirmou Chaves. “Mandei imediatamente um carta para a ETNZ, que insistiu em não responder. Decidimos então contratar um advogado neozelandês e validar nossa patente na Nova Zelândia”.

Antes de decidir recorrer à Justiça, Manoel disse ter tentado, repetidas vezes, pleitear uma resolução cordial junto à equipe neozelandesa, sem sucesso. Manoel acredita que a ETNZ tenha copiado a ideia sem saber da existência de uma patente a ser respeitada, e, ao tomar conhecimento, preferiu não admitir a irregularidade.

“Quando a patente foi publicada na Nova Zelândia, fizemos um contato mais direto. O pessoal primeiro não quis receber nosso advogado, ficaram enrolando, tivemos de entrar em contato com um ministro local”, narra Chaves. “Nosso advogado começou a ser hostilizado. Basicamente, a mensagem foi: se querem brigar, a discussão durará anos e anos e vocês não vão conseguir nada. Fizeram questão de nos lembrar que o governo da Nova Zelândia é sócio tanto da America’s Cup quanto da equipe, e que marcas poderosas patrocinam o evento”.

O brasileiro vê relação entre a sua origem e a resposta dos neozelandeses. “Existe um preconceito contra quem é da América do Sul e não tem olhos azuis. Meu sobrenome ainda é Chaves, eles já associam à Venezuela, a países de Terceiro Mundo”, desabafa. “Dinheiro para eles definitivamente não é problema, é que eles não querem relacionar tecnologia de ponta à América do Sul. Se eu fosse suíço ou holandês, aposto que eles aceitariam e ainda seriam capazes de me convidar a entrar no time”.

A equipe campeã da America’s Cup se pronunciou oficialmente em um comunicado no qual negou qualquer infração. A ETNZ alega que os desenhos são apenas semelhantes, algo comum na engenharia naval o AC75”, diz um trecho.

A equipe reforçou que “resistirá fortemente a qualquer denúncia” e ainda ironizou as acusações ao encerrar a nota dizendo que “toda boa ideia tem 1.000 pais”. “Respondi que somente o verdadeiro pai tem todo o histórico do nascimento, as fotos do crescimento de seu lho e sendo o responsável registra o nome, no caso a patente. Eles reconheceram a analogia, obviamente, mas por não terem argumentos fecharam as portas do diálogo”, conta Chaves.

Por ter registrado a propriedade intelectual do Sailing Booster System (SBS) na Nova Zelândia em 2020, Manoel Chaves possui a exclusividade de sua exploração por 20 anos, de acordo com os critérios da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo, da sigla em inglês). “Resolvemos esperar o m da América’s Cup, posso entrar com uma ação até 2040. O processo é longo. Se constatada a violação, a ação deve demorar de três a quatro anos, pois envolve uma série de laudos. Eles querem me ganhar pelo cansaço, mas não tem problema”, diz Chaves. “O mais importante é a minha certeza de que contribuí para uma nova era do iatismo que está por vir”.

Fonte e imagens: Veja

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