Crise no mercado de superiates? Entenda o que está acontecendo

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Khalilah

Os superiates são frequentemente vistos como um dos primeiros luxos excessivos em tempos financeiros difíceis. Durante a crise do subprime, também conhecida como a crise de 2008, isso levou os preços dos iates a despencar e os estaleiros a entrarem em colapso, deixando vários inacabados. Enquanto os EUA estão experimentando o melhor momento do mercado náutico em sua história, alguns milionários em outras partes do mundo começaram a ser mais cautelosos, adotando um comportamento de compra mais defensivo.

Em 2007, para ser considerado um superiate bastava ter mais de 65 metros. Uma década depois, essa métrica aumentou para 85 metros de comprimento e quase dobrou quando considerada em termos de tonelagem bruta.

Em meados da década de 2000, a faixa de iates de 40 a 60 metros estava realmente crescendo, com os estaleiros aumentando suas encomendas todos os anos. De fato, a demanda era tão alta que os investidores chegaram a comprar novos projetos com a visão de vendê-lo antes de sua entrega, reduzindo ainda mais o tempo de entrega para o que seria o “consumidor final” e determinando preços mais altos. Mas nós vamos explicar essa prática mais pra frente.

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Superiate Air da Feadship

Em 2008, essa dinâmica do mercado entrou em queda quando os pedidos de novas construções foram cancelados e o mercado de brokerage despencou, cortando os preços em mais da metade por vários anos. O mercado, em geral, se sustentou após a crise nas duas vertentes restantes, que continuam a dominar hoje, ou seja, megaiates e barcos de lazer.

Atualmente, existem mais de 50 iates com mais de 100 metros de comprimento, o dobro da quantidade que estava na água há uma década. Com um valor médio de construção de US$ 200 milhões, apenas 25 dessas construções contribuíram com mais de US$ 500 milhões por ano para a indústria de iates. Este valor reflete apenas os custos de construção e aumenta bastante ao levar em consideração as despesas de manutenção anuais. Somente as empresas de gerenciamento de iate rendem quase US$ 1 milhão por ano com essas construções antes mesmo de considerar as despesas operacionais.

A Lürssen, pioneira nessa área, continuou produzindo iates cada vez maiores ao longo da última década, mantendo uma lista de espera para novos modelos. Seguindo essa demanda, outros estaleiros começaram a competir no espaço, como Oceanco, Feadship, Nobiskrug e Benetti.

Oceanco entrega o veleiro Black Pearl de 106 metros-boatshopping
Black Pearl

Esses novos players conseguiram pegar alguns projetos de destaque nos últimos anos, como o Black Pearl de 106 metros, o maior iate à vela do mundo construído pela Oceanco para Oleg Bourlakov, ou o superiate A de 142,8 metros, o maior iate assistido por vela, construído em Nobiskrug para Andrei Melnichenko.

Outros iates também foram entregues por esse grupo de estaleiros, como o Bravo Eugenia, de 109 metros, construído pela Oceanco para o proprietário do Dallas Cowboys, Jerry Jones, ou o IJE de 108 metros, entregue pela Benetti em 2019 para o bilionário australiano James Packer.

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Bravo Eugenia

Charters em alta

Com uma flotilha crescente de megaiates também aumentou a disponibilidade para charter. O maior deles, atualmente é o Flying Fox, de 136 metros, entregue pela Lürssen em 2019 e lançado no Monaco Yacht Show. Isso aumentou o número de iates com mais de 100 metros disponíveis para charter, como o Feadship de 101 metros de Bernard Arnault, Symphony, ou o TIS de 110 metros de Lürssen, que chegou a custar no último verão no hemisfério norte cerca de US$ 2,2 milhões por semana.

Por sua vez, esse novo mercado de charter de megaiates pode ter diminuído a demanda por compras em um espaço historicamente dominado pelo Oriente Médio, russos e americanos, que estavam comprando esses iates, já que essa era a única forma de acesso a esse tipo de embarcação.

Lurssen entrega um superiate Flying Fox de 136 metros-boatshopping
Flying Fox

Atualmente há um número nunca visto de megaiates a venda, mas o que não está claro ainda é como esse número pode derrubar o mercado e a que preço. Entre os superiates que estão a venda nessa faixa de tamanho estão o TIS, de 110 metros, e que foi entregue muito tempo depois, porque seu proprietário inicial não conseguiu finalizar o pagamento; há também o Octopus de 126 metros, agora no mercado por 295 milhões de euros, depois do falecimento de Paul Allen no final de 2018.

O Amadea, um Lürssen de 106 metros entregue em 2016, também está procurando um novo proprietário. O ex-iate de Steve Wynn, o Aquarius de 92 metros, o Tranquility de 91 metros do Genting Group, o chinês Illusion Plus de 88 metros e, anunciado recentemente, o famoso Lady Moura também estão disponíveis.

Superiate TIS Lurssen - boat shopping
TIS

Um novo cenário começa a aparecer

Em contraste com o espaço de mega embarcações dominado por uma clientela específica, barcos e iates que exigem baixas despesas operacionais anuais também dominam a participação no mercado entre os milionários, principalmente entre 20 e 30 metros de comprimento. Essa classe de iate explodiu por todo o mundo, incentivando estaleiros dar atenção a outros mercados.

Dominado por Sanlorenzo, Azimut, Ferretti, Sunseeker e Princess, esse setor difere dos superiates ao oferecer embarcações mais modernas e com prazos de entrega mais curtos. Apesar de seus tamanhos menores, os preços de novas versões dessa faixa permaneceram altos.

Azimut Grande 27 Metri no Brasil - Boat shopping
Azimut 27 Metri

De fato, os preços para construção de iates como a Azimut Grande 27 Metri orbitam perto de €4 milhões, dependendo das opções, enquanto um iate usado de 40 metros pode ser comprado pelo mesmo valor. As despesas anuais para os barcos de 40 metros seriam, no entanto, quase o dobro das dos de 27 metros, dando uma nova perspectiva do porquê o mercado de iates de tamanhos médios continuam lutando por um espaço desde 2008.

Essa tendência dos milionários escolherem iates menores também tem refletido nos novos designs, que começaram a incluir cabines masters maiores, áreas externas maiores, diferente do que era feito em modelos mais antigos. Outro apelo de iates menores também se tornou a capacidade de se mover de uma baía para outra mais rapidamente, com velocidades de cruzeiro quase o dobro das dos superiates e a possibilidade de ancorar mais perto da costa.

Essa nova linha de clientes com o capital para um superiate, mas que prefere a flexibilidade de uma embarcação menor, tem transformado seu uso e seus layouts. A medida que esse grupo começou a pedir pela funcionalidade encontrada em barcos, junto a espaços abertos.

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Sanlorenzo SL102

Estes focam quase que totalmente em grandes praças e plataformas de popa, diminuindo a importância de uma sala de jantar e cabines grandes. Esse tipo de layout é voltado para clientes que só passam o dia a bordo e não pernoitam, e esses iates também possuem um design completamente diferente do que era visto nessa faixa anteriormente. Outras características que diferenciam essas embarcações são os espaços de armazenamento para brinquedos, que geralmente são muito grandes comparado ao tamanho do iate.

Seguindo essa tendência, os principais players viram suas ações dispararem em comparação com aos estaleiros que não acompanharam essas mudanças. A Sanlorenzo, um dos estaleiros mais ativos na faixa abaixo de 30 metros, teve capital aberto no início de dezembro com um valor de mercado de 550 milhões de euros e receita de 355 milhões de euros em 2018.

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Sunseeker 131 Yacht

No lado privado, a Sunseeker foi adquirida por 320 milhões de libras em 2013 pelo conglomerado chinês Dalian Wanda. A Princess Yachts foi salva em 2008 pela gigante francesa LVMH, grupo que tem em seu portfólio marcas como Louis Vuitton, Hublot, Tiffany & CO e muitas mais, em um acordo que avaliou o estaleiro britânico em mais de €200 milhões.

A LVMH posteriormente mudou a aquisição da Royal Van Lent, parte da Feadship, em um acordo que os analistas avaliaram em cerca de €400 milhões. A única outra empresa a operar em 20-30 metros e megaiates é o Grupo Azimut|Benetti, que pertence a família Vitelli, e registrou um valor de produção de €900 milhões em 2019, um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

Mudança de comportamento

O crescimento simultâneo do mercado de megaiates e dos iates na faixa de 20 a 30 metros combinado com a desaceleração de tudo que está entre essas duas categorias, levou a uma consolidação no espaço dos superiates. Isso também é consequência de estaleiros que focaram numa linha de 40 a 60 metros fecharem ou diminuírem muito seus pedidos e se recuperarem de forma muito lenta. E acima de tudo isso, os bancos internacionais ainda tem receio em financiar iates e estaleiros depois da crise de 2008, o que levou marcas como a Baglietto terem mais de €100 milhões em patrimônio líquido negativo. Por isso, hoje em dia os maiores investimentos e financiamentos nesse mercado acabam vindo de milionários que querem participar ativamente.

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Wider 165

Alguns deles adquiriram estaleiros, como o Grupo Genting da Malásia, que comprou a Wider Yachts depois que seu proprietário comprou pela primeira vez um iate. Em uma escala maior, Mohammed Al Barwani, um bilionário Omã adquiriu a Oceanco em 2010, transformando-a na potência que é hoje. De fato, a maioria dos principais players desse mercado agora possui um forte poder financeiro, o que lhes permite ser menos dependentes das linhas de crédito dos bancos, seja a Princess da LVMH ou a Sunseeker da Dalian Wanda, entre outros. Isso acabou acontecendo em outros setores do mercado náutico internacional, como com empresas de brokerage.

Apesar de que todas essas tendências possam parecer incomuns ou novas para o setor quando analisadas nos últimos anos, na realidade elas já aconteceram antes e foram seguidas pelas recessões econômicas que aconteceram pelo mundo. Um dos casos que exemplificam bem isso é a falência do Rodriguez Group, que na época era conhecido principalmente pela distribuição de iates da Mangusta.

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Mangusta 105 construída em 2001

Mais de cem deles foram construídos ao longo dos anos 2000, até que a demanda por eles entrou em colapso rapidamente após a crise do subprime. O mercado logo afundou também, cortando pela metade o valor de revenda ao longo de semanas. Hoje, você ainda encontra Mangustas menores por bem menos de US$ 1 milhão.

Flipping

Lembra da prática que falamos lá no início? Então, após um período de crescimento na faixa de 20 a 30 metros e megaiates, o que se aproximou ainda mais da recessão foi um curto período de uma prática chamada flipping e forte demanda por superiates de tamanho médio.

Em 2006 e 2007, a demanda por superiates foi tão forte que um iate já construído chegou a valer mais do que um novo projeto, já que não exigia um tempo de espera. Não demorou muito para que empreendedores com muito capital percebessem que eles poderiam ganhar em cima dessa pressa de ter o superiate ao encomendar um e vendê-lo enquanto ainda estava em construção para compradores impacientes.

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Apoise

Outros, perceberam que esse método de flipping poderia produzir resultados ainda maiores se encomendassem vários iates ao mesmo tempo em um estaleiro para conseguir desconto de pedidos grandes. Talvez o mais notável desses projetos tenha sido o liderado pelo promotor imobiliário Warren E. Halle.

Em 2003, a empresa de Halle encomendou um superiate da Lürssen de 67 metros, agora chamado de Apoise, que ele vendeu em 2006 por 65 milhões de euros ao empresário canadense David Ritchie. No ano anterior, ele havia encomendado outros dois iates de tamanho semelhante, todos por €48 milhões. Em 2008, ele vendeu um deles, o St Nicholas por  €71.500.000, mantendo o terceiro iate para si mesmo como um lucro.

Mas o que isso tem a ver com o momento atual?

Essa prática desapareceu em questão de semanas, quando o mercado mundial veio a abaixo em 2008. Hoje, no entanto, é possível ver alguns desses padrões de flipping de superiates semelhantes aos que foram vistos há uma década atrás. Como o que o milionário neozelandês Graeme Hart fez recentemente ao encomendar dois iates explorers da Kleven, que foram entregues em 2017 e 2018, ambos chamados Ulysses. O primeiro, de 107 metros, foi vendido um ano após a entrega e renomeado para Andrômeda por seu novo proprietário. O segundo foi vendido em 2019 e ainda é chamado de Ulysses. Um padrão de compra e venda que segue perfeitamente as técnicas de flipping explicada anteriormente.

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Superiates Ulysses e Andromeda

Outro sinal que poderia ser considerado como de pré-recessão é a volta do interesse de milionários em voltar ao mercado com a idéia de comprar e operar um iate como um charter lucrativo, que os mercados provaram simplesmente que não funcionam com a economia atual.

O mercado de iates de 40 a 60 metros, o último a começar a crescer antes do início de uma recessão, também começou a subir recentemente, à medida que os proprietários procuram iates para reformar com o aumento da renda disponível. De fato, se alguns anos antes, era esperado que os iates dessa faixa fossem negociados entre 30 e 40% abaixo do preço pedido, essa diferença diminuiu para cerca de 25 a 30% nos últimos trimestres.

Os estaleiros conhecidos por iates de 20 a 30 metros também estão expandindo seus intervalos para 40 a 60 metros para manter os clientes que desejam subir de tamanho. Por exemplo, a Sanlorenzo, que por décadas se concentrou em iates de 20 a 30 metros, entregou no início deste ano seu mais novo flagship, o Attila de 64 metros.

Enquanto ainda não é possível afirmar que uma recessão está próxima, muitos fatores dentro do mundo dos superiates parecem apontar para o que historicamente têm sido sinais de recessão. Eles parecem combinar sinais de alerta de mercado mais amplos em meio a guerras comerciais e maior protecionismo dos principais países.

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Attila

No entanto, em caso de uma nova recessão, não está claro quais serão os efeitos ou se serão semelhantes à quase destruição que ocorreu em 2008. Além disso, os principais nomes do mercado, já não dependem de fortes financiamentos bancários e demandas para manter suas operações funcionando. Hoje, esses estaleiros tem pessoas e empresas com capitais altíssimos por trás.

A frota mundial de iates agora também é maior do que nunca. No caso de uma desaceleração econômica, não está claro quem, se houver, estará disposto a comprar iates menos modernos e mais antigos para mantê-los operacionais, devido aos altos custos anuais. Isso é especialmente preocupante para os iates construídos em fibra de vidro, que não podem ser utilizados como os de aço ou alumínio.

Independentemente de uma recessão acontecer, parece, no entanto, evidente que, em sua trajetória atual, o espaço para iates caminha para uma consolidação. Caso ocorra uma recessão, esse caminho provavelmente só será acelerado com fusões e aquisições mais baratas.

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