Recentemente vivenciamos um fenômeno raro em nossa costa. Um grande anticiclone alimentado por ventos de grande intensidade permaneceu por alguns dias atuando no Atlântico Sul. Importante lembrar que o anticiclone no Hemisfério Sul possui um movimento anti-horário. Após alguns dias, outro fenômeno raro impressionou moradores da costa brasileira, a maré baixa que foi registrada por muitos do sul ao sudeste do país e também por muitos internautas em regiões da América do Sul, principalmente em Montevideo no Uruguai. Imagens viralizaram nas redes sociais e até comentários de que esse recuo do mar traria ondas gigantes como os famosos Tsunamis, foram espalhados assustando alguns e indignando outros.
De fato os dois fenômenos estão diretamente ligados. Surgem aí as marés meteorológicas que tanto afetam nossa costa provocando as famosas ressacas onde o mar avança e causa, em muitos casos, diversos prejuízos nas regiões costeiras.
Essas marés são, em teoria, a diferença entre o que está previsto nas tábuas de maré e a maré observada de fato. Essas diferenças podem ser causadas por alguns fatores, mas aqui veremos o principal deles, o vento e as condições climáticas.
Neste caso é importante analisar três fatores inicialmente. A direção, a intensidade e a duração do vento
O vento, ao soprar paralelo a costa, exerce uma força extrema que faz com que esse fenômeno atinja sua intensidade máxima, pois como resultado da Força de Coriolis, que é a força causada pelo movimento de rotação da Terra sobre o vento e os oceanos, empurra a água no sentido esquerdo da direção do vento. Até aqui, um fenômeno bem conhecido de todos nós. Os famosos ciclones de sentido horário do Hemisfério Sul que trazem o ar frio das regiões próximas às regiões polares e pela direção e intensidade do vento causam esse movimento à esquerda da direção do vento que empurra a água em direção a costa. Surgem aí as conhecidas ondas associadas às frentes frias e as ressacas.
Mas o que ocorreu dessa vez, foi o contrário. O mar recuou e para entendermos isso, vamos voltar no tempo até o final do século 19 e elucidar esse mistério.
O sueco Vagn Walfrid Ekman foi um importante oceanógrafo, nascido no século 19 e no início do século 20, exatamente em 1905, publicou um dos mais importantes estudos da oceanografia mundial sobre a influência da rotação da terra sobre as correntes do oceano. A primeira metade do século 20 foi marcada por uma série de estudos sobre a influência dos ventos na circulação oceânica e podemos dizer que Walfrid Ekman foi o pioneiro nesses estudos.
Mas é importante esclarecer que tudo começou com estudos feitos pelo explorador norueguês Fridtjof Nansen no Ártico no final do século 19. Nansen queria entender como medir as correntes oceânicas polares e descobriu com seus estudos que os icebergs não se moviam na mesma direção do vento, mas se desviavam para a direita do mesmo.
Ao retornar, Nansen transferiu sua descoberta para Ekman que estudou o fenômeno e criou o que ele chamou de Espiral de Ekman. Nessa espiral a força, no Hemisfério Norte, gerada para a direita da direção do vento, possuía um angulo de 45 graus na superfície do mar e conforme a profundidade aumentava, essa força ia deslocando a água com menos intensidade. Cada camada formava então um angulo de 45 graus com a camada acima até que as forças geradas na superfície não mais influenciassem, com o aumento da profundidade, o deslocamento da água. Estaria formado aí a Espiral de Ekman.
Da média dessas forças geradas da espiral, encontrou-se uma força resultante de 90 graus que chamamos de Ekman Transport, ou Transporte de Ekman em português. No hemisfério Norte essa força, conforme vimos, impulsiona a água do mar para a direita do direção do vento e no Hemisfério Sul para a esquerda do mesmo.
Sendo assim, entendemos agora que o anticiclone, com movimentos anti-horários e paralelos a costa, exerceu o efeito contrário que os ciclones geralmente exercem. A direção do vento vindo de nordeste descendo paralelamente a costa brasileira gerou a força, que aprendemos aqui, chamada de transporte de Ekman, para a esquerda, empurrando a água no sentido alto mar e não para a costa. Esse fenômeno permaneceu por vários dias com uma intensidade quase que constante, fazendo com que esse transporte afastasse a água do mar mais e mais com o passar dos dias. Junto a esse fenômeno também ocorreu um alinhamento entre o sol, a terra e a lua, o que provoca as maiores diferenças na amplitude das marés.
Podemos dizer então que a direção, a intensidade e a duração dos ventos que provocaram esse transporte de Ekman da água do mar, foram os verdadeiros causadores da Maré Meteorológica Negativa que tivemos em face a esse raro fenômeno que além de assustador nos revela a força, o poder, mas também os mistérios dos oceanos.
Cap Herman Junior
Empresário na Área da Educação
Capitão Amador
Colunista da Revista Boat Shopping
Fundador dos projetos:
SOS – MAYDAY (grupos de socorro marítimo)
Meteorologia Marítima (laboratório de ensino de meteorologia marítima)
Blog iNavigate.
Co-fundador e presidente do Comitê de Segurança da Navegação da Baixada Santista